(Tomado de Folha de Sao Paulo)
FHC
aumenta o tom das críticas aos EUA
CLÓVIS
ROSSI
eviado especial da Folha de S.Paulo a Paris
O presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu ontem, em seu discurso
na Assembléia Nacional francesa, uma escalada nas críticas
aos Estados Unidos, embora não mencionasse explicitamente
o país uma única vez.
O trecho mais
forte das críticas ficou assim: "A barbárie não
é somente a covardia do terrorismo mas também a intolerância
ou a imposição de políticas unilaterais em
escala planetária".
Apesar de ser
óbvio que só os Estados Unidos têm condições
de impor políticas unilateralmente, a Folha, para evitar
má interpretação, procurou saber do presidente,
no coquetel que se seguiu ao discurso, se o trecho de fato se referia
aos EUA.
FHC aceitou
que só os Estados Unidos têm tal poder, mas preferiu
amenizar, ao dizer que não se tratava exatamente de uma crítica,
"mas de um encorajamento para que eles revisem suas posições,
um encorajamento para virar a página [da atual ordem internacional,
que FHC sempre chama de assimétrica].
Que Washington
era o alvo da frase, ficou ainda mais claro em três dos parágrafos
imediatamente seguintes:
1) "A nova
ordem [internacional] não pode prescindir tampouco do reforço
da proteção dos direitos humanos". O governo
George Walker Bush tem sido criticado pelos defensores das liberdades
civis por ter supostamente restringido direitos civis no pacote
contra o terrorismo aprovado na semana passada.
2) "Ela
[a nova ordem] tampouco pode prescindir da proteção
do meio ambiente. Daí nosso apoio vigoroso ao Protocolo de
Kyoto". É uma alusão ao acordo para combater
o efeito estufa, causa do aquecimento global, assinado na cidade
japonesa de Kyoto, mas abandonado pelos EUA logo no início
do governo Bush.
3) "O Brasil
está concluindo os procedimentos necessários à
ratificação do estatuto do Tribunal Penal Internacional.
São instrumentos como o TPI que revigoram nossa confiança
na cooperação entre os Estados". O governo Bush
não aceita o Tribunal.
Antes do discurso,
em entrevista, FHC havia, sim, citado nominalmente os EUA, igualmente
em tom crítico, quando se referiu ao protecionismo agrícola.
Chegou a dizer
que era "injusto" criticar apenas a França, tradicionalmente
tida como a vilã de qualquer história agrícola,
"porque, hoje, os maiores subsídios são norte-americanos".
A abertura do
mercado agrícola é a mais insistente reivindicação
do Brasil (e do Mercosul) em todas as negociações
comerciais.
O tom de crítica
aos EUA não escapou a um ex-professor de FHC, o sociólogo
francês Alain Touraine. "Foi um discurso de esquerda.
Ao mesmo tempo em que se opõe à dominação
do mercado através dos EUA, convoca os países europeus
a fazer um acordo com o Mercosul", disse o sociólogo,
um dos maiores especialistas em América Latina, no coquetel
após a fala do presidente.
Mesmo o chanceler
Celso Lafer, cauteloso como é inescapável em um diplomata,
ainda mais o chefe dele, admitiu o tom de crítica. A Folha
quis saber de Lafer o porquê das críticas, após
um primeiro momento em que, no mundo todo, só se ouviram
vozes de solidariedade aos EUA.
"Por quê dizer agora que o rei está nu?",
perguntou a Folha.
Lafer respondeu:
"Ele não disse que o rei está nu, mas que certos
pedaços de roupa precisam de um complemento". Disse
também que a solidariedade com os Estados Unidos se mantém,
mas "a agenda internacional não se esgota nesse aspecto".
Ovação
O discurso,
todo ele pronunciado em francês, foi interrompido sete vezes
por aplausos dos congressistas, que se transformaram em uma ovação
de 1 minuto e 35 segundos, ao seu final, com todos de pé.
FHC agradeceu com um "vive la France", e foi logo cumprimentado,
ao deixar o hemiciclo, pelo primeiro-ministro Lionel Jospin (socialista).
O pronunciamento
do presidente foi talvez a mais completa definição
de política externa do governo, pós-atentados de 11
de setembro.
FHC voltou a
defender controles sobre "a instabilidade dos fluxos financeiros",
sob o argumento de que, "se o mercado é o instrumento
mais eficiente para a geração de riqueza, é
preciso impor limites às suas distorções e
abusos".
Engatou com
a defesa de uma tributação "sobre o movimento
de capitais para assegurar liquidez às economias emergentes
e recursos para combater a pobreza, a fome e as doenças nos
países mais carentes".
É uma
alusão à taxa Tobin, sugerido pelo Nobel norte-americano
de Economia, James Tobin, que seria cobrado sobre os capitais que
cruzam fronteiras (uma espécie de CPMF global, que alcançaria
um movimento hoje orçado em cerca de US$ 1,4 trilhão).
(Tomado
de Folha de Sao Paulo)
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