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05.11.2001
















(Tomado de Folha de Sao Paulo)

FHC aumenta o tom das críticas aos EUA

CLÓVIS ROSSI
eviado especial da Folha de S.Paulo a Paris


O presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu ontem, em seu discurso na Assembléia Nacional francesa, uma escalada nas críticas aos Estados Unidos, embora não mencionasse explicitamente o país uma única vez.

O trecho mais forte das críticas ficou assim: "A barbárie não é somente a covardia do terrorismo mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária".

Apesar de ser óbvio que só os Estados Unidos têm condições de impor políticas unilateralmente, a Folha, para evitar má interpretação, procurou saber do presidente, no coquetel que se seguiu ao discurso, se o trecho de fato se referia aos EUA.

FHC aceitou que só os Estados Unidos têm tal poder, mas preferiu amenizar, ao dizer que não se tratava exatamente de uma crítica, "mas de um encorajamento para que eles revisem suas posições, um encorajamento para virar a página [da atual ordem internacional, que FHC sempre chama de assimétrica].

Que Washington era o alvo da frase, ficou ainda mais claro em três dos parágrafos imediatamente seguintes:

1) "A nova ordem [internacional] não pode prescindir tampouco do reforço da proteção dos direitos humanos". O governo George Walker Bush tem sido criticado pelos defensores das liberdades civis por ter supostamente restringido direitos civis no pacote contra o terrorismo aprovado na semana passada.

2) "Ela [a nova ordem] tampouco pode prescindir da proteção do meio ambiente. Daí nosso apoio vigoroso ao Protocolo de Kyoto". É uma alusão ao acordo para combater o efeito estufa, causa do aquecimento global, assinado na cidade japonesa de Kyoto, mas abandonado pelos EUA logo no início do governo Bush.

3) "O Brasil está concluindo os procedimentos necessários à ratificação do estatuto do Tribunal Penal Internacional. São instrumentos como o TPI que revigoram nossa confiança na cooperação entre os Estados". O governo Bush não aceita o Tribunal.

Antes do discurso, em entrevista, FHC havia, sim, citado nominalmente os EUA, igualmente em tom crítico, quando se referiu ao protecionismo agrícola.

Chegou a dizer que era "injusto" criticar apenas a França, tradicionalmente tida como a vilã de qualquer história agrícola, "porque, hoje, os maiores subsídios são norte-americanos".

A abertura do mercado agrícola é a mais insistente reivindicação do Brasil (e do Mercosul) em todas as negociações comerciais.

O tom de crítica aos EUA não escapou a um ex-professor de FHC, o sociólogo francês Alain Touraine. "Foi um discurso de esquerda. Ao mesmo tempo em que se opõe à dominação do mercado através dos EUA, convoca os países europeus a fazer um acordo com o Mercosul", disse o sociólogo, um dos maiores especialistas em América Latina, no coquetel após a fala do presidente.

Mesmo o chanceler Celso Lafer, cauteloso como é inescapável em um diplomata, ainda mais o chefe dele, admitiu o tom de crítica. A Folha quis saber de Lafer o porquê das críticas, após um primeiro momento em que, no mundo todo, só se ouviram vozes de solidariedade aos EUA.


"Por quê dizer agora que o rei está nu?", perguntou a Folha.

Lafer respondeu: "Ele não disse que o rei está nu, mas que certos pedaços de roupa precisam de um complemento". Disse também que a solidariedade com os Estados Unidos se mantém, mas "a agenda internacional não se esgota nesse aspecto".

Ovação

O discurso, todo ele pronunciado em francês, foi interrompido sete vezes por aplausos dos congressistas, que se transformaram em uma ovação de 1 minuto e 35 segundos, ao seu final, com todos de pé. FHC agradeceu com um "vive la France", e foi logo cumprimentado, ao deixar o hemiciclo, pelo primeiro-ministro Lionel Jospin (socialista).

O pronunciamento do presidente foi talvez a mais completa definição de política externa do governo, pós-atentados de 11 de setembro.

FHC voltou a defender controles sobre "a instabilidade dos fluxos financeiros", sob o argumento de que, "se o mercado é o instrumento mais eficiente para a geração de riqueza, é preciso impor limites às suas distorções e abusos".

Engatou com a defesa de uma tributação "sobre o movimento de capitais para assegurar liquidez às economias emergentes e recursos para combater a pobreza, a fome e as doenças nos países mais carentes".

É uma alusão à taxa Tobin, sugerido pelo Nobel norte-americano de Economia, James Tobin, que seria cobrado sobre os capitais que cruzam fronteiras (uma espécie de CPMF global, que alcançaria um movimento hoje orçado em cerca de US$ 1,4 trilhão).

(Tomado de Folha de Sao Paulo)

 





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